É preciso compreender que
a escrita é uma forma de nos defendermos. No meu caso, o que me levou à escrita
foi o facto de eu observar nos outros a dificuldade que sentiam em viver de
acordo com a normalidade. Quando tudo
está bem, nada nos desperta para a criação. Sempre tive uma particular atenção
pelo pior que a vida nos pode dar. Comecei a escrever ainda criança, e o que eu
observava de negativo nas pessoas à minha volta era matéria mais que suficiente
para a transformar em escrita e a partir desse processo tentar perceber o ser
humano. Esta era a minha forma de me defender da solidão e do sofrimento dos
outros.
Posso dizer que antes de
ler livros, lia pessoas. Lembro-me que os primeiros livros que li me incitaram
a entrar no mundo da escrita. Estava assim criado o meu interesse pela
literatura. Descobri que os livros eram lugares privilegiados onde eu podia
arrumar pessoas e tudo o que as atormentava. Hoje sinto que pouca coisa mudou
em relação a esta ideia. Continuo a escrever numa perspectiva da negação, isto
é: o que me interessa no acto de escrever é descer fundo na vida dos outros e
dar-lhes a ler o negativo das suas personalidades e comportamentos em relação
ao mundo.
Tenho um lema: quando não
compreendes muito bem uma coisa, tenta escrever sobre ela. Faço isso muitas
vezes. Mesmo aquilo que me incomoda emocionalmente é resolvido através do acto
de escrever. A escrita arruma a vida e salva-a das inquietações a que está
sujeita. Escrever cria espaços vazios na tua consciência e isso pode ser
confortável, uma vez que o que fica escrito deixou de ocupar o teu pensamento e
passou a pertencer a outro plano da tua consciência. É terrível a escrita
colidir com a impossibilidade de escrever, isto é: seres incapaz de dar
resposta àquilo que pede para ser escrito. Escrever é também uma forma de
expulsão; dar lugar a outros pensamentos. Evitar o caos emocional, afectivo.
Imagina teres alguém dentro de ti a respirar para sempre a tua própria
respiração.