23 fevereiro, 2015

III - FERNANDO ESTEVES PINTO .UM ESPAÇO PARA AS MÃOS








1.
Um espaço para as mãos. Pequena profundidade obsessiva.
Um movimento suave e puro, a inteligência da luz cinzelando o peito.
Os dedos em substâncias porosas, rasgando a sombra sobre a pedra. Nada mais penso e atravesso o teu corpo. Vibrando a pedra quebra
a água no teu rosto. Uma cidade de pó em quantidades luminosas.
Teu olhar vazio e terrestre. O peso do sangue enchendo os olhos,
subtil equilíbrio do pensamento. Uma pálpebra de silêncio em alto relevo. Tuas mãos de uma consciência pelo inabitável.



2.
Fica difícil fragmentar teus gestos numa pedra.
Preparar o tempo para a fruição do gelo:
secreta felicidade vegetal.
Tuas mãos abrem-se em cada sublevação cerebral.
Um fogo treme entre a força e a inércia.
Abrir o rosto é estender os dedos para esse mundo
de vastas energias. Por vezes é reunir os músculos da água
no tecido da matéria. Embutir no corpo pequenas sílabas de luz.
Dispensar o vazio.



3.
É dentro das tuas mãos que sinto uma luz doméstica
onde vigilante é o vasto silêncio que atravessa
o sonho e as estrelas. E a sua verdade é como a infinita
força do desejo, presença incessante e potência branca.
As tuas palavras são o frémito do sangue e das pedras
que nas minhas mãos traçam o perfil do mundo.
Na liberdade pura de nós próprios.



4.
Tuas mãos íntimas como o estrépito do fogo.
Um abismo de música, tua voz vertical e infinita.
Inexorável felicidade de uma presença silenciosa.
Um rosto, uma sombria imensidade do espaço.
Acumuladas são as palavras por minúsculas razões.
No teu corpo está o limite da certeza, as nascentes do olhar.
Conheço os vestígios de um regresso superficial.
Aqui estão os frutos da sensação, os indícios do sangue.
A docilidade da alegria na limpa claridade do rosto.
Um fragmento de água em torno da boca.



5.
Uma ansiedade luminosa desperta em teus olhos,
cria uma onda luxuriante sobre as próprias mãos.
Depressa as palavras revelam na água uma consciência
submersa, uma violência nocturna luz em teus dedos.
A pedra aguarda o furor potente, a vertigem magnífica
do nascimento. O teu sangue é o fogo da música
a esperança indizível.
A secreta fruição de uma presença serena.



6.
Aguardas a fúria dos ferros, as impressões da luz.
E as mãos regressam ao sangue entre paredes sonoras.
Procuras as palavras no tecido da água,
nos compartimentos do ar sobre a terra fria.
É o teu gesto pensativo que percorre os blocos de sombra,
que projecta no rosto a obscuridade nua,
e com cálidos materiais é celebrada a pura alegria.