23 fevereiro, 2015

21 de Fevereiro, 21h30 - Casa-Museu João de Deus - "POEMAS FORA DE HORAS"





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.1 - Na mesa ,da esquerda para a direita:
Vítor Gil Cardeira
Hélia Coelho ( Casa-Museu João de Deus )
Fernando Esteves Pinto
Adão Contreiras
.2 - Na assistência ( entre outros )
Marco Mackaaij
Patrícia de Jesus Palma
Isabel Brinca
Cuca Fiadeiro
Manuela Cruz
Ana Oliva
Ana Napoleão
.5 - Paulo Moreira, Vítor Gil Cardeira e Marco Mackaaij "trocam galhardetes", enquanto, em primeiro plano, há quem prefira debruçar-se sobre a Mostra de Livros........
.6 - .............antes de se decidir
.7 e .8 - Cadernos da TEIA ( Poetas )


Acreditam se dissermos que, a noite passou a correr e que das 21h45 às 23h00 foi um salto de um pardal? que durante esse espaço de tempo os Poetas falaram de Poesia e esta se comprometeu com aqueles? que todos estiveram tão descontraídos e bem dispostos  que ...."até deu para rir" - alguém comentou; que houve, para quem quis aquecer o estômago ,chá e bolinhos, porque a noite estava fria? que apresentámos, durante o serão, uma Mostra de Livros e oferecemos os Cadernos dos Poetas presentes?

e que, ao  dizermos, "ainda bem que todos se sentiram em casa",

marcámos novo encontro, para a próxima sexta-feira, dia 27, primeiro pelas 10h30, na Escola Secundária de Silves para Poetas, Professores e Alunos dizerem de sua justiça sobre "A Poesia é Invasora .Nenhuma Fronteira é Respeitada" e, depois ,pelas 18h00, também na Casa-Museu João de Deus, para o encerramento da Exposição "A vida e a Obra de Silvestre Raposo"?
Prometemos novas surpresas ,asseguramo-vos!


( Nota - as fotografias são da autoria de Paulo Moreira, Casa-Museu João de Deus e Patrícia de Jesus Palma )


Texto poético de Adão Contreiras .O Outro Eu








No clamor que te embrulha


“escreve de ti como se fosses outro”   a raiz o olhar  a caverna     um lençol de água na fisionomia do corpo    a manhã  conversando com o calor da pele    a palavra nos corredores  do invisível     o outro lado     eu  e o meu amigo em contra-mão      o Verão com chapéu de chuva e o Inverno  com sombreiro     sinal da raiz dos tempos     escreve--te      um olhar  imerso  para além      o umbigo  da palavra no convés  do corpo barco
“escreve de ti”    caranguejo da tua imagem eu sou o outro na varanda    que dizes de ti tu  tu-outro     palimpsesto     gravata  no tornozelo  de todos os dias    memória  laço esgravatada em ti     caminhante perna de pau     palavras de açúcar  ao sol-pôr     berço cheio de fadiga     escreve-te numa bandeja  púrpura       não olhes  para os teus olhos    camarada      entrar  pelas avenidas  dos teus braços      pôr lenços brancos na ponta dos teus dedos
escreve  no outro que és tu;      tempestade e amargura  solene    visão indolente  em torno de      abraço sem poeira      cavalo que galopa ao teu encontro?      tu vês o outro  na curva  do tempo?      caminhas apressado  e sem medo?     vives de perto o horizonte enraizado?      ferve alguma tempestade  na cor  do éter ?      és amigo de ti sem  anotares  os nomes que te nomeiam ?
escreveste isolado e com amargura     ladrão de lágrimas    fantasias dos enrugados pensamentos     olhos que o vento enrola na praia     pensamentos e cabras nos montados -  as vezes que isso me entrou  com  a lua , dizes  de ti!     tu  encontrado  aos pontapés pelos campos do agoiro   tartaruga       caverna filosófica    medir o tempo  abraçado à fita métrica e encontrar soluções  para amadurecer  bananas de vidro
bananas de vidro,    digo eu-tu de mim-outro ,   olha òoh  passarão  falando mentiras  com palavras verdadeiras!...a questão, dizemos os dois: é falar verdade com palavras mentirosas,     haver muitas questões  escuras entre  eu-tu e tu-mim!     ; navegar é fácil mas não dentro das palavras      dizia eu o outro  já em criança      ;para que vejas o quanto sorrir  enxuga as lágrimas
todos os egos são uma flor de laranjeira habitada      poeta herbívoro a ruminar palavras  de  feno      poesia numa atmosfera de terra desassombrada       cisternas sonoras e veludos  aos cantos da casa     ;mal sabes tu infusa de gargalos  fechados o quanto  os lábios adornam os cios       poemas de um corpo ao vento       rasgão de ti  soletrando nos abraços a  infância adormecida        cantarás os vermes da terra  quando as flores sorrirem nos cemitérios do medo

habito o teu encontro  na penumbra  da vida  perto tão perto  como  o só engolindo o nada     todos os egos são uma flor de laranjeira, dizes      acorrentado à minha voz  vislumbro o ventre incomodado  as escaramuças que te afligem enquanto não nos liquidamos  no bazar das aventuras      segue,  segue  no clamor  que te embrulha   ajeitado à voz das fontes  com os beijos do lume  que te  percute  



V - ADÃO CONTREIRAS . Mostruário de títulos para poemas








I
nº22

  para  poemas simples:


; o inviolável aberto é a trajectória do corpo na superfície da terra;
Nota:
        poema duma subtileza granítica

        o granito é subtil na sua dureza, a sua força de coesão
        -  este poema também deve reabilitar a frescura da palavra
        na coesão  da sílaba
        na temporalidade da palavra  - trajectória - deve haver referências
        ao  infinito prazer da corporalidade.



II
nº25

  para  poemas complexos:


; num tempo matemático quais os algarismos do amor?

Nota:
        o poeta é chamado, aqui, a um labor intelectual árduo

        - há que estabelecer quais  as relações
        entre equações e sentimentos
        deverá o poeta  verificar se
        à divisibilidade infinitesimal mínima de tempo
        corresponde a mesma poção de amor, ou,
        se o amor eterno cabe no infinitamente pequeno tempo. 




III
Número 35
 
para  poemas complexos:

; empresto ao corpo um tempo de morte se digo,  amei...;


Nota:

        um poema sobre o renascimento

        não se pode ser no passado

        há que  naturalizar o verso da canção de Roberto Carlos

       "uma folha quando cai nasce outra no lugar"

        a palavra caranguejo é proibida no texto do poema.





IV

Número 40º
 

para  poemas complexos:

; se digo, tu, é em mim que inicialmente existes;

Nota:

         é um poema de palavras abertas

         tópicos:
                    - mesmo sem asas as pessoas andam
             
                   -  na paisagem
                      o calor da memória       
                      deixa  o ar-das-pessoas extenuado 

                  -   gratos encontramos elixires  
                      nos eus por descobrir
     
                  -  se há verdades nuas no pensamento
                     é porque as desilusões castigam os desejos




V
 Nº 56


para poemas simples

;a poesia é para todos
não é tertúlia com saltos altos;

Nota:

 o poeta
 ao escrever este poema
 não deve rir
 mesmo que o Sol lhe faça cócegas

concentra-se nas palavras alagadas
de suor

 inventa canções para as crianças dormirem
 suprime os alfabetos arcaicos

a linguagem animar-se-á  
dando corda ao texto

a nitidez do olhar nos contornos das soluções encontradas
dará aos vários interlocutores
minúsculas sensações poéticas sem retorno
mas não apagadas
aos olhos de todos
que olhos têm



VI
Nº 95

para poemas simples


 Anotam-se alguns  factos do real:


a mulher nua convergindo
para o homem de costas                       - realidade  assombrada

o homem de costas convergindo
 em direcção ao centro                         - realidade sem direcção

o peixe                                                      - realidade sem ficção

na ondulação da água                           - realidade desmesurada

a gravata presa
 ao pescoço do peixe                             - realidade sem fins lucrativos

 o grande lago
 que adormece na luz  represada           - realidade sentimental

o anel quebrado no dedo                       - realidade do objecto

a família que espera                              - realidade da distância

o que se procura na distância                - realidade do irmão

a fadiga diante do olhar                         - realidade de oceano

a linda noite de brilhantina azul            - realidade abusiva

os esplêndidos sorrisos                          - realidade triturada

as queixas  das lápides                           - realidade surda

as poeiras do amor                                 - realidade  navegante

sublime realidade                                   - realidade com janelas

o sentido                                                  - realidade ilustrada

as marés                                                  - realidade sem prisão


Adão Contreiras .Algumas ( breves ) notas biográficas








Nasceu  em 1944 no sitio dos Gorjões e por ai tem vivido. Por outras paragens, referenciado, quando estudante ou professor. Quando ainda miúdo lembra-se de ter apanhado um tabefe da mãe, por  trocar por vezes, a ordem da letra “r” nas palavras escritas.  Gostava de desenhar e pintar,  por isso  estudou na  Escola de Artes Decorativas António Arroio entre os anos de 1957 a 61, ai, trocou os pés pelas mãos na gramática e teve que repetir o exame de português para poder entrar nas Belas Artes.
Divergiu da tropa guerreira de Além Mar e ficou livre por incapacidade mental, nada de dramático! Ficou preso na armadilha “ Do Boi da Paciência”  e enviuvou  das artes. Inerte, mas com o coração nas mãos, escreveu e pintou algumas coisas. Fez exposições.
Expôs-se, mas não tremeu. Salvaguardando alguns desequilíbrios que atirou para cima das letras – artigos de opinião e intervenção social no Jornal do Algarve de Vila Real de Santo António, nos anos de 1969 a 72; colaborações literárias: Sete Estrelo , Aullido, Sulscrito,

Publicou até à data dois   opúsculos, Página Móvel  Com Texto Fixo e Ouro e Vinho. Não é casado. E além disso foi ex-esperto na produção de eventos.  As Belas Artes, em Lisboa, foi um refúgio.



Texto Poético de Vítor Gil Cardeira . De onde vens? substâncias ( incompleto )








De onde vens, se o outono passou e não podes mais brincar aos meninos? O tempo foge-nos quando tentamos abraçá-lo e entendê-lo. Como Santo Agostinho, sei o que é o tempo mas ao tentar explicá-lo, foge-me por entre os dedos como areia. Ainda ontem, corria pela praia como se não houvesse futuro. O vento fazendo ondular os cabelos que se derramavam até às costas. Os meus pais queriam que fosse menina. A primeira fotografia tirada nos Estúdios de Fotografia Andrade, junto ao mercado das verduras, mostra-me de vestidinho branco e um longo cabelo negro atado por cima da cabeça. Um totó, parece-me. Já me sentava sozinho, e por isso já devo ter um ano. Era mais eu que eu.

Depois, depois tornei-me num rapazinho solitário que gostava de chuva. Quando o cheiro da terra aspergia o ar às primeiras chuvadas do outono, gostava de passear descalço recebendo as quentes e grossas pingas no rosto. Coitado. Faz tanta pena, diziam em surdina os aldeãos com sinceridade. Ninguém deseja mal a uma criança. A minha mãe não queria saber de excentricidades. Muito menos no seio da família. A vassoura trabalhava em funções estranhas ao seu destino. Nada me demovia. A chuva que me escorria pelo corpo era a euforia que me faltava para as outras coisas que, supostamente, deviam ser do interesse das crianças. Cresci à chuva. Um dia, a minha mãe passou-se e passei a interessar-me mais pelo verão… tinha ido de comboio para Tavira. Chovia lá fora. Nariz colado ao vidro da carruagem que corria pela paisagem que não me interessava. Só a obliquidade da água que riscava o vidro sujo da janela. Desembarquei no apeadeiro da Porta Nova e pus-me a caminho de casa. Cinco quilómetros até casa sob as nuvens generosas. Nas valetas corriam riachos que desembocariam em ribeiras que levariam a chuva ao mar. Ao mar próximo que sempre me acompanhou. Até ao fim.

Quando passei a amar o verão, descobri as raparigas. Quando passei a amar as raparigas, descobri os livros. E quando os livros entraram na minha vida, o tempo passou a funcionar de uma outra maneira. O que é o tempo? Um rio que corre do passado, atravessa o presente e perde-se, ao longe, fora da vista, no futuro que ninguém deseja. Todos sabemos que um dia irá desaguar no mais incompreensível oceano, o futuro do futuro, a noite mais escura de todas, as trevas mais escuras das trevas: a morte. Agora, o tempo deixou de ser linear, e o antes confunde-se com o depois, que se confundem com o agora e mesmo com o que nunca aconteceu ou acontecerá. Passei a viver em mundos que se cruzam e entrecruzam, mundos que me prendem e arrastam, e amalgamam, e confundem, me transportam para onde não sei se poderei ir, para onde vou sem saber se fico, como folhas num dia ventoso de outono.



IV - VÍTOR GIL CARDEIRA .POEMAS PARA UMA TEIA








Executar o silêncio

Há sempre palavras que não expressam
Os dias finais, rompendo o tempo, errando
No lajedo das memórias, palavras
Imóveis na narrativa infinita do devir.

Abarcar as cicatrizes, escaldando
a carne, nomear as dúvidas
 e abandonar os afetos, nomear
os objetos que cumprem e preenchem
o vazio da multidão, reduz a rede seminal
a um labirinto oculto na consciência dos elementos.

Há palavras nunca ditas, criadas para
Executar o silêncio na nudez na pedra,
Espetro da linguagem nunca lavrada pelo fogo,
Consumindo as margens do sulco de Abel
Fecundado pelo sangue que o corpo liberta,
Inocentando Caim. Só palavras consumindo
A morte, absolvendo o assassino que emerge
Da natureza apologética, reescrevendo os
Pergaminhos do medo. Se a conversa aproximar
Os contadores de lendas, só restarão fragmentos
De palavras, ninguém recitará os tabus enquanto
Os procedimentos fatais da loucura se erguerem
No pano de fundo do teatro da vida.

Os assassinos vagueiam nos bastidores envolventes,
 Sussurram onomatopeias complexas, confirmando tudo
O que foi dito nas planícies intemporais. A ausência
Reflete-se na sinuosidade do texto esotérico,
Saudando a imortalidade do desejo. A eternidade
Não extingue as palavras que devoram a carne e
Recriam o espírito. O tempo não esconde a
Insolvência que perturba o futuro, o futuro
Mediador implacável entre sobreviventes
E assassinos, na contenda final.

MGordo  18/10/2011




ninguém mais baterá na tua porta
sangrando na noite os profetas
declamando falsas memórias
semeando hortênsias nos caminhos
que percorrem as margens
da solidão
ninguém mais baterá à tua porta
sussurrando palavras leves
como os cabelos cruzando
a tempestade
ninguém mais saberá onde
moras




O negócio das esplanadas


Algumas vezes os milagres acontecem
Nas esplanadas do café e não chegam a horas
Para acordar quem precisa de repousar
Nos esconsos armário da felicidade.

Há pessoas que tomam pílulas para dormir
Quando descobrem que a vigília é um estado
Terminal que visa perpetuar as conversas ambulantes,
As serpentes que perseguem as caras que emergem das noites.
Pesadelos ambiciosos no sono inútil, cancro que se instala
Nas ideias que fumegam nas chávenas de café.

O café é forte e o empregado atende as velhas
Com malandrice concupiscente. Ali, só a morte
Impõe o cumprimento da vida. Se não morrêssemos,
Ninguém largaria uma conversa a meio, ninguém
Se levantaria da esplanada fria sem se despedir
Para sempre. Todos fumávamos e ríamos e troçávamos
Da inflação, não haveria subsídio de férias, nem paraísos fiscais,
Nem mesmo bancos na Suíça. As férias seriam eternas
E a sobrevivência estava assegurada pela imortalidade.
Não haveria ambivalência nos escritórios onde
Se negoceiam as dívidas soberanas e as agências
De rating não fariam poemas atirando dados.

Nas esplanadas continuar-se-ia a tomar café,
Talvez aguardente de medronho da serra, as velhas
Seriam mais velhas, pois a morte nunca chegaria,
E os coveiros frequentariam workshops, fazendo
up grade dos ossos que manipulavam,
E passariam a exercer carreiras de sucesso
No mundo da alta finança.

No crescente e rentável negócio das esplanadas,
O tráfico de influências daria lugar a happenings
De solidariedade social, performances plásticas
Sem redundância nenhuma, sorteios de ganâncias
Desprovidas de valor ou meetings de pontos de vista dejá vus.
O vil metal chegaria de mercedes-benz, e de carro funerário,
E no coche barroco do falecido do João 5º.
Falecido??!! O que é isso?, perguntariam as crianças
Post mortem. No passado as pessoas morriam,
Ausentavam-se para sempre, explicaria um transeunte
Manhoso, erguendo, respeitosamente, os olhos ao céu.

Há cadáveres famosos que nos enformam os desejos.
Teimam, mesmo defuntos – descansados sejam -, em alienar-nos
O pensamento, em gritar fazendo estremecer as pedras
Tumulares. Se não morrêssemos, o futuro não seria o vazio
Que tentamos escravizar, o mundo que não conseguimos
Desocultar quando avançamos na escuridão.

Na esplanada os pássaros depenicam partículas
Recebidas por correio eletrónico, provocam os adultos
Com peidos monumentais e sorriem às crianças
Que os escolhem para amigos desinteressados.

Se não morrêssemos os cientistas deixariam
De tentar explicar as coisas e tentariam interpretar o nada,
O nada e a sombra que anuncia o fim sem fim. Nem é fácil
Imaginar o poder dos mecanismos que regem os mercados,
Nem fácil colocar bombas nas instalações dos bancos de investimento.
O grito fascista que ecoou na Ibéria profunda encontra
Seguidores nos caminhos irregulares dos desvalidos.
Viva la muerte, será o regresso às origens onde o vento
Açoita a tarde.

Nas esplanadas voltar-se-ão a ouvir os lamentos
Das vozes que reverberam as parangonas dos jornais.




Cozinha nublada

Deu-me uma branca e esqueci o meu nome. A mania
que imaginara enquanto enfiava a roupagem
do lobo mau, fez-me detestar as cócegas que os filmes
de polícias e ladrões me presentearam.
Na ginástica, ninguém saltava mais alto que eu, dizia catapultando
o corpo por cima dos automóveis engarrafados.
Deu-se-me uma branca e o queijo que roía, distraído, não
me sabia a nada.
Olá!, atirou-me o anúncio da pepsodent. Gosto
 de gajas e a mulher do sorriso branco desafia-me
os instintos que adquiri na selva. Foram baratos
e, por isso, voavam sobre rios e precipícios. Às vezes
era preciso ser campeão de natação para aceitar os convites
da vizinha antes do anoitecer. Mal transpunha a porta
via a loira pepsodent e esquecia-me da vizinha boazona
que me outorgara o convite. Começada a brincadeira
 com a outorgante; que não tinha olhos azuis, nem cabelos loiros,
nem sorriso uniformizado; ficávamos tão felizes que os corpos nus
pareciam saídos de um documentário sobre lontras no pacífico sul,
ou de uma telenovela mexicana em tempos de crise.
Grandes tempos aqueles! O que dava pena era ver o marido
 e o papagaio a brincar às gaiolinhas enquanto esperavam o jantar.

Queres ir ao circo?, perguntou-me ainda o papagaio antes
da minha saída pela escada de incêndios.
Não, obrigado, e… boa noite senhor doutor.
Pareceu-me entristado o cumprimentado anfitrião e vizinho
dedicado: o trabalho de doutor devia ser um bocado chato,
concluí, puxando o fecho éclair até acima.
na cozinha nublada.

Deu-me uma branca e nem sequer a minha identidade reconheço.
Aliás o que vira na televisão era uma mancha branca
Por entre os lábios da confusão.

MGordo 19/5/2011




Não creio em silêncios

Não creio em silêncios
crus, em conversas iluminadas
calcando a brutalidade dos
parágrafos cadastrados.
Não creio nas palavras grávidas
atiradas aos pesadelos
dos interlocutores,
não posso convidar quem parte
a loiça de minha casa
e amola lâminas
no fundo da consciência
solúvel, na poeira dos
caminhos.

Aceito o desafio das cordas
envoltas em arame farpado,
golpeando as sombras, as
fímbrias dos edifícios
castrados, a limpidez
dos corpos omissos fedendo
a cadáver exibido nas
cerimónias panegíricas

latindo na agonia dos
políticos imberbes
e escorregadios
que as noites abreviam
no sôfrego espetáculo
das multidões corruptas,
envenenando o cemitério
das idiossincrasias
incandescentes.

Não creio nos sonhos
Que se erguem da noite
Perpétua.


M. Gordo 5/12/13



Vítor Gil Cardeira .Algumas ( breves ) notas biográficas








Nasceu em Conceição de Tavira em 1958. Escritor, antropólogo, professor e editor. Escritor algarvio conotado com a corrente literária barroco-surrealista. Sócio fundador da editora “4 águas” e proprietário da editora “edições Cativa”.
Livros publicados:
- Transeuntes (contos);
- Partículas (poesia);
- passagem através do fogo ( estórias do quotidiano);
- A Leste de Tavira (monografia etno-histórica);
- Uma mulher Disponível (conto);
- Exilados (conto);
- Espuma Evanescente;
- Poema Falido (folha volante);
Em processo de edição:
Cicatrizes (contos e alegorias);
Danças(?) (poesia);
Participações em antologias e revistas:
 - Jornal Universitário (FCSH) “Tollan”;
- Revista Bicicleta;
- Sulscrito;
- Letrário Editora (on-line);
- Mallarmargens – revista de poesia e arte contemporânea (Brasil);
-  Algarve – 12 poetas a Sul do século XXI,
- Diga Não ao Não – Antologia poética da Lua de Marfim;
- Del Teatro del Silencio al Parnaso -  Antologia dedicada ao poeta hondurenho Juan Ramon Molina.
- Revista Estúpida;
- Revista Sizígia;
- Antologia Poética, Prêmio Poesia Livre 2013 (Vivara Editora Nacional-Brasil);
- Antologia poética “Clepsydra”;
- Revista Piolho.



Texto Poético de Fernando Esteves Pinto .Identidade e Conflito




É preciso compreender que a escrita é uma forma de nos defendermos. No meu caso, o que me levou à escrita foi o facto de eu observar nos outros a dificuldade que sentiam em viver de acordo com a normalidade. Quando tudo está bem, nada nos desperta para a criação. Sempre tive uma particular atenção pelo pior que a vida nos pode dar. Comecei a escrever ainda criança, e o que eu observava de negativo nas pessoas à minha volta era matéria mais que suficiente para a transformar em escrita e a partir desse processo tentar perceber o ser humano. Esta era a minha forma de me defender da solidão e do sofrimento dos outros.

Posso dizer que antes de ler livros, lia pessoas. Lembro-me que os primeiros livros que li me incitaram a entrar no mundo da escrita. Estava assim criado o meu interesse pela literatura. Descobri que os livros eram lugares privilegiados onde eu podia arrumar pessoas e tudo o que as atormentava. Hoje sinto que pouca coisa mudou em relação a esta ideia. Continuo a escrever numa perspectiva da negação, isto é: o que me interessa no acto de escrever é descer fundo na vida dos outros e dar-lhes a ler o negativo das suas personalidades e comportamentos em relação ao mundo.

Tenho um lema: quando não compreendes muito bem uma coisa, tenta escrever sobre ela. Faço isso muitas vezes. Mesmo aquilo que me incomoda emocionalmente é resolvido através do acto de escrever. A escrita arruma a vida e salva-a das inquietações a que está sujeita. Escrever cria espaços vazios na tua consciência e isso pode ser confortável, uma vez que o que fica escrito deixou de ocupar o teu pensamento e passou a pertencer a outro plano da tua consciência. É terrível a escrita colidir com a impossibilidade de escrever, isto é: seres incapaz de dar resposta àquilo que pede para ser escrito. Escrever é também uma forma de expulsão; dar lugar a outros pensamentos. Evitar o caos emocional, afectivo. Imagina teres alguém dentro de ti a respirar para sempre a tua própria respiração. 






III - FERNANDO ESTEVES PINTO .UM ESPAÇO PARA AS MÃOS








1.
Um espaço para as mãos. Pequena profundidade obsessiva.
Um movimento suave e puro, a inteligência da luz cinzelando o peito.
Os dedos em substâncias porosas, rasgando a sombra sobre a pedra. Nada mais penso e atravesso o teu corpo. Vibrando a pedra quebra
a água no teu rosto. Uma cidade de pó em quantidades luminosas.
Teu olhar vazio e terrestre. O peso do sangue enchendo os olhos,
subtil equilíbrio do pensamento. Uma pálpebra de silêncio em alto relevo. Tuas mãos de uma consciência pelo inabitável.



2.
Fica difícil fragmentar teus gestos numa pedra.
Preparar o tempo para a fruição do gelo:
secreta felicidade vegetal.
Tuas mãos abrem-se em cada sublevação cerebral.
Um fogo treme entre a força e a inércia.
Abrir o rosto é estender os dedos para esse mundo
de vastas energias. Por vezes é reunir os músculos da água
no tecido da matéria. Embutir no corpo pequenas sílabas de luz.
Dispensar o vazio.



3.
É dentro das tuas mãos que sinto uma luz doméstica
onde vigilante é o vasto silêncio que atravessa
o sonho e as estrelas. E a sua verdade é como a infinita
força do desejo, presença incessante e potência branca.
As tuas palavras são o frémito do sangue e das pedras
que nas minhas mãos traçam o perfil do mundo.
Na liberdade pura de nós próprios.



4.
Tuas mãos íntimas como o estrépito do fogo.
Um abismo de música, tua voz vertical e infinita.
Inexorável felicidade de uma presença silenciosa.
Um rosto, uma sombria imensidade do espaço.
Acumuladas são as palavras por minúsculas razões.
No teu corpo está o limite da certeza, as nascentes do olhar.
Conheço os vestígios de um regresso superficial.
Aqui estão os frutos da sensação, os indícios do sangue.
A docilidade da alegria na limpa claridade do rosto.
Um fragmento de água em torno da boca.



5.
Uma ansiedade luminosa desperta em teus olhos,
cria uma onda luxuriante sobre as próprias mãos.
Depressa as palavras revelam na água uma consciência
submersa, uma violência nocturna luz em teus dedos.
A pedra aguarda o furor potente, a vertigem magnífica
do nascimento. O teu sangue é o fogo da música
a esperança indizível.
A secreta fruição de uma presença serena.



6.
Aguardas a fúria dos ferros, as impressões da luz.
E as mãos regressam ao sangue entre paredes sonoras.
Procuras as palavras no tecido da água,
nos compartimentos do ar sobre a terra fria.
É o teu gesto pensativo que percorre os blocos de sombra,
que projecta no rosto a obscuridade nua,
e com cálidos materiais é celebrada a pura alegria.



Fernando Esteves Pinto .Algumas ( breves ) notas biográficas








  Nasceu em Cascais em 1961.
Colaborou no DN Jovem (Diário de Notícias) e no Jornal de Letras.
Em 1990 recebeu o Prémio Inasset Revelação de Poesia do Centro Nacional de Cultura.
É publicado em Espanha, México e Marrocos por revistas literárias e editores independentes. Está representado em várias antologias.
Em 1998 obteve uma bolsa de criação literária pelo Ministério da Cultura/Instituto Português do Livro e das Bibliotecas.
Co-fundador e coordenador da revista de literatura “Sulscrito”.
Coordenador editorial da 4águas.
Livros publicados: “Na Escrita e no Rosto” (poesia); “Siete Planos Coreográficos” (poesia, edição bilingue, Huelva); “Ensaio Entre Portas” (poesia); “Conversas Terminais” (romance); “Sexo Entre Mentiras” (romance); “Privado” (novela); “Área Afectada” (poesia); “Brutal” (romance); “O Tempo que Falta (poesia); “Identidade e Conflito” (micro-ensaios); “Dispensar o Vazio” (antologia poética); “Património Bukowski” (contos e outras estórias); O Carteiro de Fernando Pessoa” (romance).



Recital de Bruno Silva ,na Igreja Matriz de São Bartolomeu de Messines





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A solo ( imagens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 ) ou acompanhado pelo irmão ( fotografias 11, 12 e 13 ), o Bruno presenteou o Público com um Recital bastante heterogéneo, escolhendo peças musicais que souberam tocar várias sensibilidades e gostos ,tendo, no entanto, o cuidado de harmonizar o seu reportório com o espaço da Igreja Matriz.
E o que mais sensibilizou foi a presença de vários jovens e caras, não habituais, que começam a tornar-se constantes nestes eventos.

.14 - A partilha  ( quem dá e quem recebe jovialidade ).
.15 - No final do espectáculo, Bruno Silva autografa o seu caderno da TEIA.



17 fevereiro, 2015

O Bruno visto ( por ele mesmo ) ao espelho





O meu nome é Bruno Silva, tenho 16 anos e resido no Concelho de Lagoa. Atualmente frequento o 10º ano no Curso de Ciências e Tecnologias que escolhi pela minha paixão pelas ciências.
Sou um rapaz de natureza descontraída, muito curioso com tudo o que se passa à minha volta e, adoro descobrir e inventar coisas novas.
Exigente comigo próprio e muito persistente, nunca desisto até alcançar o meu objetivo, o que me tem garantido excelentes resultados tanto ao nível da aprendizagem da música como nos estudos.
Tenho várias paixões, sou louco por animais e pelo ar livre, adoro viajar, conhecer pessoas novas, e nunca perco a oportunidade de fazer alguns truques de magia com  o baralho de cartas que trago sempre comigo.
Sou fascinado pela robótica, nanotecnologia e tudo o que  envolve experiências em laboratório. E claro, o saxofone é a minha maior paixão, com o qual gosto de animar e surpreender quem me ouve.
Sou divertido e bastante social, gosto do convívio com família e amigos, e estou sempre disponível para ajudar quem precisa, gosto de partilhar e aproveitar os bons momentos da vida…
                       


                                                                                              Bruno Silva



Bruno Silva








Bruno Daniel Guerreiro da Silva, nasceu a 4 de Março de 1999, em Portimão.
Com  10 anos de idade  entrou para o conservatório de música, que frequentou durante 5 anos e onde completou com excelência o 5º grau do ensino articulado.
Em  2012, participou no concurso de música Anatólio Falé em Lagos onde conseguiu o 3º lugar na sua categoria.
Durante o tempo que estudou no conservatório participou em vários projectos, nomeadamente quarteto de saxofones, OSA (Orquestra de Sopros do Algarve) Nova Filarmonia de Lagoa, da qual ainda faz parte, integrou a orquestra que acompanhou os Reflect  no espetáculo que apresentaram no TEMPO em Portimão.
Participou em alguns concertos com os Flor-de-Lis e foi convidado a acompanhá-los numa apresentação na RTP1.
Actualmente,  o Bruno é um dos elementos do  DuoSax ,(duo de saxofones) que teve inicio em Julho de 2014, com o qual fez várias actuações ao longo do ano.
E é  com o DuoSax que pretende continuar a animar e surpreender quem gosta de  música.



07 fevereiro, 2015

TEIA // V Bienal de Poesia do Concelho de Silves: "Bailados de um tempo breve"








.......E assim, despretenciosamente, mas com muita pertinácia, fomos dando  forma a este projecto.
Em Fevereiro e nos meses subsequentes, novas e diferentes "nuances" nos esperam, com e em a TEIA!




Dia 24 de Janeiro - Alguns apontamentos fotográficos de "Bailados de um tempo breve"





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De 1 a 3 - Falando sobre poesia
De 4 a 6 - Mostra de Livros e Sessão de autógrafos dos Cadernos
7 - Maria Teresa Dias Furtado fala e Maria do Sameiro Barroso, Cuca Fiadeiro e Gabriela Rocha Martins escutam-na
8 e 9 - as Pessoas vão chegando
10 - Paulo Moreira ( voz ) em primeiro plano
11 - Eduardo Ramos ( alaúde )
12 - Ana Napoleão ( movimento )
13 - Em primeiro plano, Manuel Neto dos Santos ( poeta ), ao fundo a Presidente da Câmara, Drª Rosa Palma, a Vereadora da Cultura, Engª Luísa Conduto Luís, o Presidente da Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines, João Carlos Correia, e, nas paredes os quadros de Mestre Silvestre Raposo ( artista plástico ) que, com a sua Exposição, abriu as portas de a TEIA
14 e 15 - A Senhora Presidente da Câmara no uso da palavra
16 - A assistência ouve-a com atenção
17 - Maria Teresa Dias Furtado, Maria do Sameiro Barroso ( poetas ) e Hélia Coelho ( um elemento da equipa da Casa-Museu João de Deus )